No mês de prevenção ao suicídio, especialistas
falam sobre a importância do diálogo e de instituições como o Centro de
Valorização da Vida.
A campanha anual do Setembro Amarelo, que tem o
intuito de conscientizar as pessoas sobre o suicídio e sua prevenção, já se
tornou largamente popularizada em todo o Brasil. Entretanto, apesar da maior
conscientização sobre o tema, dados da Secretaria Nacional de Vigilância em
Saúde apontam que, entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por
suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010
para 13.523 em 2019.
Tais dados geram um alerta sobre a necessidade
de mobilização ainda maior a respeito do cuidado com a saúde mental. Desde
1962, o Centro de Valorização da Vida (CVV), uma associação civil filantrópica
sem fins lucrativos, tem estimulado o estudo e o debate a respeito do tema do
suicídio e prestado uma gama de serviços para acolher pessoas que pensam em
tirar a própria vida. Consultado pela Jovem Pan, o CVV afirmou que, após a pandemia,
os atendimentos se tornaram cada vez mais constantes. “Especialmente no
decorrer de 2021, o CVV não notou exatamente um aumento no volume da procura
pelos serviços, mas eles se tornaram mais constantes, sem variações sazonais
como costumavam ocorrer antes”, apontou a instituição em nota.
Mensalmente, o CVV realiza mais de 300 mil
atendimentos em todo o país por meio de voluntários que se propõem a conversar
com pessoas necessitadas. É o caso de Antônio Batista, engenheiro e voluntário
do CVV há 22 anos. O colaborador exaltou a popularização do Setembro Amarelo e
ressaltou que falar sobre o assunto já é uma forma importante de prevenção. “O
CVV abraçou esse movimento em 2014, e a importância do Setembro Amarelo é
trazer à luz um tema que é muito delicado e tão difícil de se falar. É preciso
falar de uma forma adequada o que é a prevenção do suicídio e a importância de
pedir ajuda. Mobilizar a sociedade como um todo, os educadores, o sistema de
Saúde e os formadores de opinião da importância da prevenção do suicídio, da
importância de falar do tema de uma forma construtiva para que a sociedade
possa adquirir conhecimento e, assim, a prevenção ocorrer de modo mais afetivo.
O nosso lema no Setembro Amarelo é: ‘Falar é a melhor solução’. Falar de uma
forma adequada e receber ajuda faz toda diferença. Só isso já está contribuindo
para a prevenção do suicídio”, declarou Antônio.
A psicóloga Caroline Sorgi de Oliveira Silva,
pós-graduada em psicopatologia clínica hospitalar pela USP, ressaltou que no
Brasil ainda não existe um mecanismo de prevenção eficiente em relação ao
suicídio: “Esse movimento deve começar na infância, onde o indivíduo começa a
se constituir psiquicamente, aprendendo a lidar com as frustrações, com a falta
de oportunidade e com um ambiente não tão favorável. Toda criança deveria ter a
oportunidade de se desenvolver minimamente bem. Não estamos falando apenas da
condição financeira, e sim da capacidade e disponibilidade do cuidador em
promover habilidades socioemocionais da criança. O Setembro Amarelo evidencia o
mal estar e o inconveniente da existência humana, poder falar sobre o assunto
mostra que podemos modificá-lo, mas essas ações deveriam ser contínuas, e não
apenas legitimadas em setembro”.
Segundo Caroline, alguns sinais podem ser observados
no comportamento de pessoas propensas ao suicídio, como isolamento, falta de
sociabilidade, irritabilidade, falta de higiene, desesperança, alterações no
sono e alterações no apetite. No campo da prevenção, ela também ressalta a
importância de estabelecer um canal aberto para momentos de crise,
principalmente por meio da procura por profissionais que façam o acolhimento de
quem está passando por momentos de dificuldade. Quem busca ajuda pode ligar
para o disque 188, mas o atendimento também pode ser feito de maneira online
pelo site do CVV.
Jovens são grupo de risco
Só em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram
por suicídio em todo o mundo, o que representa uma em cada 100 mortes no total,
de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Também é alarmante o
dado de que o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com
idade entre 15 e 29 anos. Para o voluntário do CVV Antônio Batista, é
importante criar canais mais atrativos para que as pessoas nessa faixa etária
sejam devidamente acolhidas: “O nosso jovem não está tendo tempo de ter um
amadurecimento mental e um amadurecimento emocional. Hoje, na juventude, ele
passa por transformações significativas. Ele não é mais criança, nem mesmo
adulto. Às vezes, há insegurança com o futuro que há por vir e com essas
transformações que ocorrem no seu corpo, transformações emocionais. É
importante acolher este jovem e compreender o momento que ele está vivendo de
transformação. Para isso, o CVV criou o serviço de atendimento via chat, pois
os nossos jovens hoje preferem escrever do que falar”.
“Então, o jovem encontra um voluntário que vai
digitar com ele sobre o que ele quiser conversar. É um encontro dele com um
voluntário que está de plantão, como se estivessem numa sala, mas via chat, e
eles vão conversar. Poder desabafar faz toda a diferença para que esse jovem
compreenda o que está passando nos seus momentos e caminhe na sua vida, o que
às vezes não é nada fácil”, explicou o colaborador do CVV. Para a psicóloga
Caroline Sorgi, a predominância de suicídios entre os jovens também tem explicação
nos valores da sociedade atual: “Pela falta de oportunidade de um futuro
estável e com planos. Hoje, fala-se muito sobre carreira, investimento,
dinheiro, aposentadoria e não há espaço para o jovem se frustrar e ser ‘menos’
do que o colega. Há uma competição explícita e velada. Por exemplo, meu filho
começou a andar com 8 meses, e a colega diz: ‘O meu começou com 7’. E não se
olha para a criança como um indivíduo em formação, que tem desejos e vontades
próprias”.
Os dados da OMS também mostram que mais homens
morrem devido ao suicídio do que mulheres (12,6 a cada 100 mil homens em
comparação com 5,4 a cada 100 mil mulheres). Além disso, apesar das taxas de
suicídio terem caído entre os anos de 2000 e 2019, quando a taxa global
diminuiu 36%, na região das Américas, onde está o Brasil, as taxas aumentaram
17% no mesmo período. Por isso, iniciativas como a do Setembro Amarelo são
importantes para frear o crescente número de fatalidades. Neste contexto, se
torna igualmente importante acolher familiares e amigos de pessoas que
cometeram suicídio, como destaca a psicóloga: “Muito se fala sobre a pessoa que
tenta o suicídio, mas pouco se fala sobre o seu entorno e os amigos e parentes
que ficam quando o evento acontece. Precisamos cuidar dessas pessoas, olhar com
acolhimento para que não haja uma culpa velada e implícita. Mostrar que o
desejo da pessoa que se foi não é determinante para quem ficou. Podemos pensar
num conjunto de fatores como ter bom sono, alimentação, casa, atividade física
e trabalho remunerado. Mas, mesmo com tudo isso, ainda há o desejo do
indivíduo, e cada um precisa estar minimamente em paz com suas escolhas,
podendo, assim, sustentá-las”.
Como forma de combater o crescimento das taxas
de suicídio, Antônio Batista divulgou o trabalho do CVV na prevenção e reforçou
a importância do diálogo: “O CVV é um trabalho realizado por voluntários que se
colocam à disposição de todas as pessoas para conversar. Conversar de forma
acolhedora e compreensiva, em um ambiente de total privacidade e confiança. Quando
a pessoa liga para o CVV, ela não precisa se identificar. Todas as pessoas são
bem-vindas a ligar. Se você precisar compartilhar o seu momento e por acaso
você não tem essa pessoa, não tem um terapeuta, não tem esse profissional, o
CVV se coloca à disposição. Você encontrará sempre uma pessoa no CVV para
acolhê-lo de forma compreensiva e valorizar aquele seu momento”.
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