Dez homens comandam as
prefeituras das dez cidades com maior eleitorado feminino do Brasil. O dado
evidencia o tamanho da sub-representação das mulheres na política. Com base em
dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o eleitorado feminino cresce continuamente
no país ao menos desde 1996. É maioria em 2 de cada 3 municípios. Na média
nacional, elas são 52,6% das pessoas aptas a votar.
A cidade com maior
proporção de mulheres aptas a votar é Maceió, seguida de perto por Niterói
(RJ), com 55,48% e 55,46% de eleitoras, respectivamente. Em seguida vêm
Aracaju, João Pessoa, Recife, Caruaru (PE), Olinda (PE), Santos (SP), Arapiraca
(AL) e Salvador. Atualmente, todas têm homens à frente da prefeitura. Caruaru
chegou a ter uma mulher eleita em 2020, Raquel Lyra (PSDB), mas a tucana deixou
o cargo para se candidatar a governadora do estado e conseguiu. Em seu lugar,
ficou o vice, Rodrigo Pinheiro.
Quando se olha para as
Câmaras Municipais dessas dez cidades, o quadro não é muito diferente. A
proporção de vereadoras nelas é de 13% na média. Vai do máximo de 18% no Recife
ao mínimo de 3,7% de João Pessoa. A capital paraibana tem só 1 vereadora em um
total de 27. Niterói (RJ) também tem apenas 1 representante feminina, em um
total de 23 (4,3%). A concentração masculina não é coincidência. Todas as dez
cidades com maior eleitorado feminino em números absolutos (e não
proporcionais) também têm homens no comando de suas prefeituras.
O maior eleitorado
feminino, para especialistas, não significa necessariamente uma disposição
maior em votar em mulheres. Além disso, fatores estruturais também pesam nesse
resultado —como a quantidade menor de candidaturas de mulheres e com menos
apoios e verbas nos partidos. No país como um todo, as mulheres eram só 12% dos
prefeitos eleitos em 2020, e 16% dos vereadores.
É um problema, diz a
cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da UFSCar
(Universidade Federal de São Carlos). “Quanto mais segmentos populacionais
estiverem representados, mais robusta é uma democracia”, afirma. Revisão da
literatura acadêmica publicada pelas economistas Mariana Lopes da Fonseca e
Zohal Hessami reuniu evidências de que a representação política feminina
melhora a oferta de serviços públicos de educação e de saúde nos países em
desenvolvimento e também nos desenvolvidos induz políticas específicas como as
de cuidado infantil, além de reduzir corrupção.
No caso da saúde e
educação, entre as razões para isso estão a preferência das mulheres por
políticas distributivas e a maior preocupação em média com o bem-estar das
crianças, documentadas em outros trabalhos, e o fato de elas serem as
principais responsáveis por atividades de cuidado. “As mulheres suportam de
forma desproporcional os custos de um sistema de saúde pública fraco e,
portanto, também beneficiam de forma desproporcional com a sua melhoria”, diz
Fonseca, professora na Universidade de St. Gallen, na Suíça.
Ela enfatiza ainda o
efeito encorajador para novas gerações de meninas também entrarem na política. Os
estudos analisados pela dupla elencam algumas explicações para a sub-representação
das mulheres no setor. Uma delas seria a menor disposição delas para a
competição, devido a fatores culturais. Outra, a visão tendenciosa de parte do
eleitorado em relação às mulheres. E uma terceira, o viés contrário a elas por
líderes partidários.
Para a cientista
política Graziella Testa, os partidos, fechados a pessoas fora do círculo de
poder, ainda são um importante empecilho para uma maior equidade de gênero na
política. “Normalmente, mulheres fazem um cálculo estratégico de que não
adianta desprender tempo e atenção na política, porque não há acesso”, diz. Em
sua visão, é necessário que as legendas invistam na formação de mulheres. “É
sempre importante levar em conta que essa é a função dos partidos. O fundo
partidário é substancial também porque relegou a função de educação política a
eles”, afirma.
Embora alguns estudos
apontem tendência de mulheres apoiarem mais a esquerda, acadêmicos têm visto a
possibilidade de reversão ao menos em parte dessa tendência em meio à ascensão
da direita. Para a professora da UFSCar, o discurso de Michelle Bolsonaro na
avenida Paulista no último dia 25, no ato com Jair Bolsonaro, pode ter sido um
chamado importante para mobilizar candidaturas da direita conservadora, nos
dois gêneros.
“Por um bom tempo
fomos negligentes ao ponto de falarmos que não poderia misturar política com
religião, e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento da libertação”, disse a
ex-primeira-dama. “Antes a questão da representatividade vinha da esquerda,
agora vem da direita”, afirma. Em outras palavras, a defesa por parte da
esquerda de que o mundo político refletisse a diversidade de gênero e raça da
população pode ter encontrado uma espécie paralela com a defesa de instituições
que reflitam o predomínio cristão.
DIVERSIDADE IDEOLÓGICA
Nas dez cidades com
maior eleitorado feminino do Brasil, há entre a minoria de vereadoras eleitas
integrantes de legendas de esquerda, direita e centro. Vereadora em Santos,
onde já foi prefeita, Telma de Souza (PT) lembra que sua entrada na política
tem a particularidade do exemplo de casa: seu pai e sua mãe eram políticos. “Em
Santos, as mulheres faziam pedagogia, e os homens direito, e depois todos se
casavam entre si. Eu fiz as duas faculdades”, diz. Para ela, a presença da
mulher na política é importante tanto para o fortalecimento da democracia como
por trazer à arena experiências que os homens não têm.
Em outra ponta do
espectro ideológico está Eliza Virgínia (PP). Única vereadora de João Pessoa,
ela se define como militante pela vida e antifeminista. Recentemente, ganhou o
noticiário ao se tornar alvo de um inquérito do Ministério Público por ter
parabenizado um guarda civil que agrediu uma mulher trans. A vereadora declara
ser contra a igualdade de gênero, mas reconhece a existência do machismo e dos
vários tipos de violência que acometem as mulheres.
Ao centro, por sua
vez, a vereadora de Maceió Olívia Tenório (MDB) aponta diversos projetos
debatidos na Câmara Municipal da cidade por iniciativa das mulheres na Casa
—elas são 4 de 25 representantes do Legislativo local. Entre eles, está a discussão de projetos
sobre pobreza menstrual e uma lei de auxílio aluguel para mulheres que sofreram
algum tipo de violência. Elas também conseguiram a implementação de
licença-maternidade para as parlamentares e colocaram em prática uma mudança
que previa que ao menos 30% da Mesa Diretora precisa ser composta por mulheres.
Angela Pinho/Ana
Gabriela Oliveira Lima/Folhapress

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