Cerca de 32,5 milhões
de trabalhadores brasileiros atuam como autônomos de modo informal (ou seja,
sem CNPJ) ou são empregados sem carteira assinada no setor privado, segundos
dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Isso representa 31,7% dos 102,5 milhões de empregados no país. Esses números, referentes ao primeiro
trimestre deste ano, não consideram os 4,3 milhões trabalhadores domésticos sem
carteira assinada, os 2,8 milhões de trabalhadores do setor público sem carteira
nem os 816 mil empregadores sem CNPJ.
Na comparação com o
primeiro trimestre do ano passado, observam-se aumentos tanto no número
absoluto de autônomos informais e trabalhadores de setor privado sem carteira
(32,3 milhões) quanto na sua proporção em relação ao total da população ocupada
(31,5%). Em cinco anos, o contingente de trabalhadores nessas situações cresceu
quase 10%, já que, no primeiro trimestre de 2020, eles somavam 29,7 milhões.
Os dados mostram a
dimensão da precarização das relações de trabalho no país. O enfrentamento ao
subemprego, à informalidade, à terceirização e ao trabalho intermitente é uma
das reivindicações da Pauta da Classe Trabalhadora, um documento assinado
conjuntamente por oito centrais sindicais e entregue na última terça-feira (29)
ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Uma das faces da
precarização das relações entre empresas e o trabalhador é a chamada
“plataformização do trabalho”, ou seja, o uso de mão de obra por empresas de
internet, sem que haja qualquer vínculo trabalhista entre eles.
É o caso das
plataformas de entrega e de transporte por aplicativo, que usam trabalhadores
autônomos para executar o serviço contratado por um cliente. A aprovação de um
projeto de lei complementar que regulamente os direitos trabalhistas,
previdenciários e sindicais dos trabalhadores mediados por plataformas no
transporte de pessoas é outra reivindicação da pauta entregue ao presidente
Lula na terça-feira.
Nesta quinta-feira
(1º), Dia do Trabalhador, manifestantes fazem um ato em São Paulo contra a
precarização das relações de trabalho e o que eles chamam de “exploração das
empresas de aplicativo”. Os trabalhadores por conta própria sem CNPJ somam 19,1
milhões, segundo o IBGE, quase um em cada cinco pessoas ocupadas no país.
“A grande maioria dos
entregadores, para não dizer todos, não tem um controle da jornada de trabalho.
A empresa só paga pelo tempo que ele fica disponível [trabalhando] e, para
fazer, em tese, o salário que um CLT [empregado formal, protegido pelas leis trabalhistas]
faz em oito horas, ele tem que ficar 14 horas, 16 horas à disposição da
empresa”, afirma o presidente da Federação Brasileira dos Motociclistas
Profissionais (Febramoto), Gilberto Almeida. O rendimento médio mensal de um
empregado com carteira assinada (R$ 3.145) é, segundo o IBGE, 51% maior do que
aquele do trabalhador por conta própria sem CNPJ (R$ 2.084).
“A plataformização do
trabalho representou claramente uma precarização do trabalho. Comparando a
ocupação de motoristas e entregadores antes e depois da introdução da das
plataformas, você percebe justamente uma menor renda, mais horas trabalhadas e
menor contribuição previdenciária, ou seja, essas ocupações eram menos
precárias antes da introdução dessas plataformas de aplicativos”, destaca o
técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) Sandro Sacchet de Carvalho.
A Associação
Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas do
setor, considera que o trabalho intermediado por plataformas de mobilidade e
entregas “é uma realidade nova proporcionada pela tecnologia”. “Embora tenha
características diferentes das relações trabalhistas tradicionais regidas pela
CLT, não se configura como uma atividade profissional menos digna do que
qualquer outra”, destaca nota divulgada pela entidade.
A associação destaca
que há 2,2 milhões de pessoas trabalhando sob essa modalidade de emprego em
todo o Brasil e que, segundo uma pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap), a maioria delas aponta a flexibilidade de horários como
o principal atrativo da atividade em apps, seguida dos ganhos obtidos. A
Amobitec ressalta que, nesse modelo de relação de trabalho, os profissionais
parceiros prestam serviço em condição similar ao de autônomos e defende a
regulamentação dessas novas formas de trabalho.
“Há urgência em se
avançar em uma regulamentação do trabalho por aplicativos para que,
respeitando-se as características de autonomia e flexibilidade do modelo de
negócio, os trabalhadores tenham acesso a benefícios previdenciários básicos,
como auxílio-doença e aposentadoria. Cada vez mais um número maior de
trabalhadores recorre às plataformas para obter renda”, diz o diretor executivo
da Amobitec, André Porto.
A Ifood, uma das
empresas que usam a mão de obra de trabalhadores autônomos intermediada por
plataforma de tecnologia, afirma que “o trabalho baseado em aplicativos é uma
fonte complementar de renda para grande parte dos entregadores”. “Segundo
pesquisa Cebrap/Amobitec, com dados de 2022, quase a metade dos entregadores
afirmou estar exercendo outra ocupação (48%), sendo 50% destes com carteira
assinada, ou seja, já têm contrato de trabalho no modelo CLT”, informa a
empresa por meio de nota.
Ainda de acordo com a
empresa “os entregadores cadastrados no iFood são trabalhadores independentes
que podem usar o aplicativo para gerar renda com autonomia e flexibilidade.
Eles podem ligar e desligar o aplicativo a seu critério, a qualquer momento,
decidir o local onde oferecerão seus serviços, rejeitar entregas que não
considerem favoráveis, sem penalidade, e escolher a rota de entrega mais
adequada. Os entregadores podem trabalhar para aplicativos concorrentes sem
qualquer exclusividade e, como trabalhadores autônomos, devem arcar com os
custos da atividade”.
O pesquisador do Ipea
Sandro Carvalho explica que já havia uma tendência de aumento da precarização
das relações de trabalho mesmo antes do surgimento dos aplicativos de celular.
Há muitos empregados informais, por exemplo, em segmentos não relacionados a
plataformas tecnológicas, como os setores da construção e de alojamento e
alimentação.
“A precarização é uma
tendência que vem sendo observada, com maior ou menor intensidade, desde os
anos 90. A precarização do trabalho é justamente a institucionalização de
formas de subemprego, tornar as formas precárias de trabalho cada vez mais
oficiais. Isto é, transformar essas formas de trabalho em algo não ilegal”,
explica Carvalho.
Nem todos os
trabalhadores autônomos são informais. Muitos possuem CNPJ, apesar de
representarem uma parcela bem menor dentro do universo daqueles que trabalham
por conta própria. De acordo com o IBGE, 6,8 milhões trabalham no país como
pessoa jurídica (PJ). É o caso de muitos profissionais liberais que têm seus
próprios escritórios ou consultórios, por exemplo.
”Trabalhadores
altamente qualificados como médicos, advogados e até alguns jornalistas podem
até preferir ser PJ, porque assim vão pagar menos imposto e eles podem obter,
de forma privada, os benefícios associados a uma carteira de trabalho. Eles
podem pagar uma previdência privada, pagar um seguro de saúde privado etc.”,
afirma Carvalho. O problema, segundo o pesquisador, é quando a “pejotização”,
ou seja, a contratação de um empregado como PJ em vez de assinar sua carteira
de trabalho, é usada pela empresa para cortar custos trabalhistas. Isso, em
geral, ocorre com trabalhadores “não tão qualificados”, afirma Carvalho.
“A maioria dessa
‘pejotização’ representa uma perda de direitos associada à carteira de
trabalho. Então ela gera um crescimento forte da insegurança do trabalhador no
emprego. A pessoa pode ser demitida de forma mais fácil, sem direito às verbas
indenizatórias, sem direito ao acesso ao seguro-desemprego. E fica mais difícil
dizer quem é o responsável em caso de risco de acidente, porque você está
tratando uma contratação de serviço. E isso não consegue ser compensado por um
maior salário”, ressalta o pesquisador do Ipea.
Ele destaca que a
reforma trabalhista, de 2017, facilitou a “pejotização”, ao permitir que
trabalhadores autônomos tenham apenas um demandante, no caso o seu empregador. “Fica
difícil separar ou tentar determinar exatamente que um trabalhador autônomo na
verdade tem um vínculo empregatício com determinada empresa, se você permitir,
por exemplo, que trabalhadores autônomos tenham só uma pessoa que contrata o
seu serviço.”
Entrevistada pela
Agência Brasil em abril deste ano, a vice-coordenadora nacional da
Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do
Ministério Público do Trabalho (MPT), Priscila Dibi Schvarcz, afirmou que a
“pejotização” é uma fraude em relação ao emprego.
“[A prejotização]
consiste em contratação de trabalhador subordinado por meio de pessoa jurídica,
com o intuito de ocultar o vínculo empregatício por meio da formalização
contratual autônoma. Trata-se, portanto, de um mecanismo voltado a mascarar
vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma”, afirma a
procuradora. A questão da “pejotização” está sendo analisada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). Em abril, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu
suspender todos os processos relacionados a essa questão que estejam tramitando
na Justiça, até que a Suprema Corte decida sobre o assunto.
A Pauta da Classe
Trabalhadora 2025, entregue nesta semana ao presidente Lula, traz outras 24
reivindicações, além das já citadas regulamentação dos trabalhos mediados por
aplicativos e o enfrentamento à informalidade. Entre elas estão a recuperação
do poder de compras de aposentados e pensionistas, valorização do salário
mínimo, fortalecimento do FAT e do FGTS, redução da jornada de trabalho sem
diminuição do salário e fim da escala 6×1. Em seu perfil na rede social
Instagram, o presidente Lula registrou o recebimento da pauta. “Nosso governo
tem raízes nessa luta e estará sempre com as portas abertas para o diálogo com
aqueles que fazem a roda da economia girar”, afirmou o presidente.
Apesar de o número de
trabalhadores autônomos informais e daqueles sem carteira assinada no setor
privado representar quase um terço da população ocupada no país, o IBGE vem
registrando aumentos no total de empregos com carteira assinada no setor
privado. Dados divulgados nesta semana mostram que o total de trabalhadores com
carteira assinada está em um patamar recorde. No primeiro trimestre deste ano,
havia 39,4 milhões de empregados nessa situação, o maior volume para um
trimestre desde 2012, quando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua) começou a ser realizada pelo IBGE.
Fonte: Agência Brasil
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