Avaliação é que
mudanças climáticas aumentam riscos da doença.
“O meu homem-aranha
está amuado, tristinho. É tão estranho”. A auxiliar de serviços gerais Juliana
Pereira, de 28 anos de idade, está acostumada com o pequeno Vitor, de 3 anos de
idade, pulando de um canto para o outro, tal como um super-herói. Ligeiro na
bicicleta, correndo atrás de bola e sem parar pela casa. Mas o menino passou a
semana com febre alta e dor, sem sair do colo da mãe. Tudo por causa da dengue.
Eles moram em uma casa
na Cidade Estrutural, região administrativa periférica do Distrito Federal,
“cercada de mato, lixo, água parada e falta de estrutura”, como diz a mãe que
também teve a doença em fevereiro. “Estou sem ir para o trabalho porque preciso
cuidar deles”, diz Juliana. O outro morador da casa, Jeferson Muniz, de 25 anos
de idade, irmão de Juliana, também não podia ir trabalhar havia 5 dias por
causa dos sintomas da doença.
Vulnerabilidade
O médico
infectologista José Davi Urbaez diz que as condições sociais são causas do
avanço da dengue. “É claríssimo que, no caso da dengue e, habitualmente, todas
as doenças infecciosas, são grandes marcadores dessa vulnerabilidade porque ela
é construída”, avalia. As populações com menos condições de saneamento básico,
de moradia digna, de emprego, de educação e de acesso à saúde, segundo o
médico, estão mais vulneráveis à disseminação das doenças como a dengue.
Jeferson, o tio do
pequeno Vitor, reclamou de, além das dores no corpo, de falta de ar e muito
enjoo. Ele trabalha em um lava jato o dia inteiro e chegou a tentar trabalhar
doente, mas não aguentou o ritmo. Cercado por profissionais de saúde pública e
deitado em uma maca, em um dos atendimentos que recebeu, melhorou depois de ser
medicado e receber hidratação venosa com soro.
Durante a semana, a
família foi junta em uma tenda de atendimento instalada pelo governo do
Distrito Federal junto à Unidade Básica de Saúde da região, para reforçar o
atendimento diante da crise sanitária na capital do País, que tem o maior
número de mortes causadas pela doença. Na UBS, já foram confirmados 2.391 casos
da doença até sexta-feira (1º). Inclusive, os dez postos com mais notificações
da doença eram todos nas áreas mais vulneráveis, que contabilizavam 27.264 casos.
Capital em surto
Segundo as informações
do Ministério da Saúde, até o sábado (2 de março), eram 77 óbitos confirmados
no DF, o equivalente a 29,8% da quantidade de mortos no país, do total de 258,
por causa da dengue até o momento. Havia outras 60 ocorrências em investigação.
Ao todo, o DF somava
mais de 102.757 diagnósticos da doença, o que representava quase 10% dos casos
de todo o Brasil, que superou a marca de mais de um milhão de notificações
durante a semana. Os postos de atendimento nas periferias lideram as
notificações da doença. “O que mais me apavorou foi a possibilidade da dengue
ficar mais grave. A gente é pobre e tem muito medo”, diz Juliana, que tem medo
de todos adoecerem ao mesmo tempo. Ela viu os vizinhos ficarem mal nas últimas
semanas.
O médico
infectologista Hemerson Luz explica que pode acontecer de pessoas que tiveram
dengue uma vez apresentarem um quadro mais grave numa segunda ocasião. “Por uma
reação do sistema imunológico, pode ocorrer uma resposta inflamatória pior. O
termo dengue hemorrágica não é utilizado mais”. O médico entende que as
condições sociais urbanas podem influenciar a disseminação da doença. “Sabemos
que hoje realmente a dengue é uma doença que pode ser prevenida com medidas
para combater o mosquito e também com a vacina que está chegando”, explica.
Responsabilidade
O especialista
salienta que qualquer objeto abandonado que acumule água pode acabar sendo um
criadouro do mosquito. “Lembrando que os ovos do Aedes aegypti podem ficar até
1 ano em um terreno seco, esperando cair água e acumular. Todo o combate se
baseia em eliminar esses criadores, como objetos jogados, caixas d’água sem
tampa, aquele vaso que tem um pratinho com água embaixo”, alerta. Hemerson Luz
diz que todos esses cuidados são necessários com responsabilidade dos órgãos
públicos e dos cidadãos.
A recomendação do
especialista é que as pessoas devem buscar apoio de saúde a partir de sintomas
como o quadro clássico que inclui dor de cabeça, febre alta, cansaço, dor atrás
dos olhos. Há possibilidade de aparecimento de manchas vermelhas na pele. O médico
pede especial atenção para a existência de dor abdominal, vômitos e queda da
pressão.
Inclusive, foi por
causa de dores abdominais que a cuidadora de idosos Joseana Rosa, de 49 anos de
idade, teve que pensar em cuidar de si mesma. Ela foi também ao atendimento na
Cidade Estrutural e relatou aos médicos que não dormia havia 2 dias e sentia
dores pelo corpo, que teve dificuldades de explicar. “Tive muita febre e enjoo.
Essa doença, para mim, foi pior do que a covid (que ela foi diagnosticada em
2022)”, comparou a paciente. Joseana também pensou em ir trabalhar e encarar
uma viagem de ônibus de quase 50 minutos até o trabalho. Ela desistiu depois de
dar o primeiro passo em direção à porta.
Angústia
A cerca de 20 km da
Estrutural, uma família estava desesperada na Unidade de Pronto Atendimento da
Ceilândia, a maior região administrativa do Distrito Federal. A fisioterapeuta
Amanda Oliveira, de 33 anos de idade, estava agoniada com a situação da mãe
Maria Luzemar, de 57 anos de idade, internada na sala vermelha para receber
suporte intensivo de oxigênio e monitoramento dos sinais vitais.
“Minha mãe começou com
muita febre e piorou pela madrugada. Ela teve sangue ao evacuar e estava
delirando. Ela pediu que a gente ajudasse urgentemente”. Há uma semana, a mãe
deixou de ir trabalhar como vendedora de churrasquinho no bairro em que mora.
“Ela não aguentava mais”, disse Amanda. Na porta da UPA, familiares de
pacientes ficam à espera da possibilidade de receber notícias e a possibilidade
de fazer visitas.
Encostado à UPA, o
Hospital de Campanha da Aeronáutica, com a atuação de militares de outras
regiões do país, inclui médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e de
laboratório, com atividades 24 horas por dia. A aposentada Francisca Miranda,
de 65 anos de idade, estava acompanhada da filha Taynah, de 28 anos de idade,
porque mal conseguia se movimentar. Elas moram em Ceilândia, região em que as
unidades de saúde pública são as que têm mais notificações, 25.250 até
sexta-feira, representando um a cada quatro casos de dengue no Distrito
Federal.
Crianças e idosos
Segundo o
infectologista Hemerson Luz, qualquer pessoa pode ter a doença agravada. “Mas
pode ser pior em crianças muito pequenas, ou mesmo em pessoas idosas, grávidas,
pessoas que têm comorbidades. E um grande foco hoje da atenção é justamente
crianças e adolescentes por onde estão começando os programas de vacinação”,
explica.
Para combater a
dengue, o médico Hemerson Luz defende que o sistema público de saúde pode
contar com o uso de tecnologias para apontar qual rua ou bairro há mais casos.
“O mosquito tem uma autonomia de voo muito pequena, cerca de 200 metros apenas.
O uso de drones para procurar esses locais que podem estar acumulando lixo,
pode ser usado pelo poder público para fazer essa busca. Esse é um dever de
todos”.
Mudanças climáticas
O avanço da doença nas
grandes cidades é motivo de alerta para o médico Carlos Starling,
vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia. “O que chama a atenção é
que o número de casos aumentou muito nos últimos dias, não só de dengue, mas
também de covid. Então nós estamos, no momento, convivendo com duas epidemias
ao mesmo tempo”, disse.
Para o especialista,
ainda será necessário que o trabalho de prevenção seja mais efetivo. Para ele,
o número de casos deve seguir aumentando até final de abril, quando a
temperatura deve começar a cair. “Com isso, a população de mosquito também
diminui e, consequentemente, a transmissão da doença também. O período sazonal
da dengue tradicionalmente vai até abril”, explica. Entretanto, o especialista
alerta para o fato que as mudanças climáticas podem alterar essa lógica.
O aumento da
temperatura altera o regime de chuvas, e isso poderia fazer, em tese, que esse
período se estenda até junho, que tradicionalmente o número de casos cai de
forma drástica. “O que deve modificar muito esse perfil epidemiológico é a
maior disponibilidade de vacinas nos próximos anos. Mas para esse ano, as
vacinas ainda não vão ter o impacto que nós gostaríamos que tivesse”.
Sem comentários:
Enviar um comentário
obrigado pela sua participação grato
por sua visita!...e fique a vontade para opinar.