Conforme a epidemia do coronavírus avança no
Brasil, o país assiste também a uma outra escalada: a de operações contra a
corrupção envolvendo dinheiro público para a resposta à doença. Desde o fim de
abril, são pelo menos 18 operações — uma a cada 3 dias, em média. Só na semana
passada, foram deflagradas cinco operações em todo o país.
As ações já atingem governos de sete unidades
da federação: Amapá, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Rondônia e Santa Catarina. Nos casos do Rio e do Pará, as apurações atingem os
governadores locais — que negam irregularidades —, e foram autorizadas pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Policiais também foram às ruas para apurar
irregularidades em várias prefeituras, incluindo as capitais Fortaleza (CE),
Recife (PE), Rio Branco (AC) e São Luís (MA). Ao todo, essas operações já
cumpriram 230 mandados de busca e apreensão, e ao menos 32 pessoas suspeitas de
envolvimento foram detidas.
Os contratos e compras investigadas somam cerca
de R$ 1,07 bilhão — o montante que foi efetivamente desviado ou superfaturado,
no entanto, ainda está sendo investigado pelas autoridades. As informações
foram levantadas pela reportagem da BBC News Brasil com base em informações da
Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF).
Só a CGU participou de 12 operações do tipo — a
maioria em parceria com o MPF e a Polícia Federal.
As irregularidades encontradas também variam
muito.
Há casos de sobrepreço em itens simples, como
máscaras descartáveis — caso das operações Assepsia, em Rio Branco; e Cobiça
Fatal, em São Luís (MA). Mas também há investigações sobre contratos
milionários de compra de respiradores e montagem de hospitais de campanha, como
nas apurações deflagradas no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
A primeira apuração de irregularidades
envolvendo a resposta ao novo coronavírus aconteceu no município de Aroeiras
(PB), parte da região metropolitana de Campina Grande, em 23 de abril.
Batizada de Alquimia, a operação cumpriu três
mandados de busca e apreensão em Aroeiras e em Patos (PB), e apurou um prejuízo
de R$ 48,3 mil na impressão de cartilhas com orientações de saúde à população.
Além disso, a CGU também participou de quatro
operações que tiveram como alvo pessoas que tentaram receber de forma indevida
o Auxílio Emergencial de R$ 600, criado para combater os efeitos econômicos da
pandemia.
Segundo os próprios dirigentes da CGU, a
avalanche de investigações era “previsível” e repete o padrão de outros
momentos nos quais grande quantidade de dinheiro federal foi enviada a Estados
e municípios. Foi o caso das enchentes na região serrana do Rio em 2011, e do
rompimento de barragens de rejeitos nas cidades mineiras de Mariana (2015) e
Brumadinho (2019).
Para o advogado e ex-ministro da CGU Jorge
Hage, o volume de investigações mostra que o governo “perdeu a mão” na hora de
flexibilizar os controles financeiros durante a pandemia — por mais que a
situação exija agilidade nas compras públicas, controles importantes acabaram
suprimidos por medidas provisórias editadas pelo governo federal, avalia ele.
Número de investigações ‘é expressivo’
Atual secretário adjunto de combate à corrupção
da CGU, Roberto César de Oliveira Viégas diz que há um aumento expressivo no
número de investigações de corrupção em Estados e municípios. E que esse
aumento era previsível.
“A gente já sabia que isso poderia acontecer, e
começamos a monitorar a essas descentralizações (repasses de recursos). Qual o
foco? Verificar se essas empresas que estão sendo contratadas (…) se elas de
fato têm capacidade técnica e operacional; se elas de fato existem; se estão
constituídas em nomes de laranjas; se já foram envolvidas em outras operações;
se foram recém-criadas. Tem um catatau de informações (a serem checadas)”,
explica ele.
Viégas diz que muitos dos alarmes de
irregularidades chegam por meio da plataforma Fala.br, uma ferramenta do
governo.
“Quando você tem uma quantidade grande de
recursos sendo descentralizados, num momento em que há fragilidades (nos
controles), com contratações diretas, em ambiente de calamidades públicas… Nós
já tivemos experiências desse tipo, como quando tivemos aquelas enchentes na
região serrana do Estado do Rio (em 2011), e também em Minas”, diz ele.
“Quando os recursos vão em grande monta (…), o
que a gente percebe é que não necessariamente eles vão ser usados
corretamente”, diz. “Podemos afirmar que há um maior risco de não aplicação
correta dos recursos”, diz ele.
O que dizem os governadores investigados
Os dois governadores que foram alvo das
investigações negam qualquer envolvimento com irregularidades.
Na manhã do dia 26 de maio, a Polícia Federal
cumpriu mandato de busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras, residência
oficial do governador do Rio.
“Não há absolutamente nenhuma participação ou
autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as
denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal. Estranha-me e
indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados
bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação
da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve
vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará”, disse
Witzel em nota.
“A interferência anunciada pelo presidente da
República está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus
sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em
alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não
abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro”, continua
ele.
Na quarta-feira (10/6), a Polícia Federal
realizou buscas, entre outros endereços em Belém (PA), na casa de Helder
Barbalho, como parte de apuração sobre suposta fraude na compra de respiradores
pelo governo estadual.
Barbalho, disse que atuou desde o começo da pandemia
para proteger a população do seu Estado.
“No dia 16 de março iniciamos o processo de
isolamento social, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e
do Ministério da Saúde para buscar proteger a nossa população. Em paralelo a
isso, o Governo do Estado não mediu esforços para estruturar a rede de saúde
pública do Pará, no sentido de atender a nossa população”, disse ele, numa
entrevista na quarta-feira (10), quando a operação foi deflagrada.
“Quero demonstrar minha absoluta indignação com
o que ocorreu, fazendo no Estado do Pará vítimas e lesados por aqueles que
pensaram em aproveitar uma pandemia, o sofrimento de pessoas, acreditando que
seria possível oferecer um produto e entregar outro, e ficar ilesos; que a
sociedade paraense e o Governo do Pará aceitariam e não reagiriam”, disse ele,
referindo-se ao fato de que 152 respiradores comprados pelo governo
apresentaram falhas e não puderam ser usados no atendimento aos pacientes.
Com BBC Brasil
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