
Os ideais de democracia e
economia liberal dos EUA pareciam destinados a se espalhar pelo globo. Mas a
ascensão da China está mudando este cenário. Superada a Guerra Fria após o
colapso da União Soviética, do fim dos anos 1980 em diante os Estados Unidos da
América regeu solitário o concerto das nações. A Europa cada vez mais se isola
de conflitos e questões externas ao continente, de resto acompanhando o
entendimento dos EUA nas questões mais fundamentais; o antigo “terceiro mundo”,
sem mais ter no horizonte a opção socialista, se viu obrigado a integrar-se ao
fluxo mundial de capitais, tornando-se “países em desenvolvimento”. E, assim,
os ideais da democracia e economia liberais defendidos pelos EUA pareciam enfim
destinados a se espalhar pelo globo. A situação, contudo, está rapidamente
mudando. A ascensão da China como o maior PIB do planeta, sua bem sucedida
abertura à globalização, os portentosos investimentos em tecnologia e a vasta
rede de influência montada pelo gigante asiático já são vistas por
especialistas em relações internacionais e por autoridades dos EUA como sérias
ameaças à hegemonia estadunidense e ao modelo de governo e de vida que os
nossos vizinhos do norte ambicionam difundir. “A China adora um vácuo”,
escreveu, em texto publicado recentemente na Folha de S.Paulo, o doutor em
ciência política pela universidade de Stanford Ian Bremmer. Na avaliação do
articulista, há muito a China avança posições no palco mundial. Recentemente, o
país foi estratégico ao se aproveitar da pretensa neutralidade frente a
conflitos armados buscada por Obama em seu segundo mandato no comando da Casa
Branca. Tem mediado, entre outros, o embate latente entre as Coreias do Sul e
do Norte, alcançando êxitos pontuais. Trump, por sua vez, embora ostente um
discurso duro contra os chineses que beira à xenofobia, foi também conveniente
para Pequim: perseguidor de uma política isolacionista internacionalmente, e
economicamente protecionista, o republicano tem deixado de lado velhos aliados
dos EUA, abrindo espaço para a atuação chinesa, por exemplo, na América Latina
e na Ásia. Além disso, a abordagem da China ao se aproximar dos países em
desenvolvimento é diversa da estadunidense. Enquanto os americanos costumam
fazer exigências em troca de empréstimos e investimentos (no Brasil, por
exemplo, a meta de superávit primário foi uma imposição do Fundo Monetário
Internacional), os chineses não têm o hábito de interferir em políticas
internas de seus parceiros. Assim, conclui Bremmer, se o sistema chinês tem
“poucos atrativos” para norte-americanos e europeus, para quase todos os outros
países coloca-se como “uma alternativa plausível”, sobretudo para nações com
menor tradição democrática. Yánis Varoufákis, economista, membro do partido de
renovação grega Syriza e que foi ministro das Finanças do país em 2015, é outro
que enxerga a ampliação do poder econômico e político de Pequim. Ele, contudo,
vai mais longe: o próprio Estados Unidos já é dependente dos chineses no plano
econômico. “O governo chinês aumentou os investimentos nacionais sem
precedentes a fim de preencher a lacuna criada pela contração de gastos nos EUA
e na Europa”, escreveu, em artigo publicado no site Outras Palavras. Para o
ex-ministro, os chineses são, desde a crise dos capitais de 2008, o principal
avalizador do sistema capitalista mundial ao lado dos EUA. “De maneira
resumida, a China entrou em cena para reequilibrar as contas do Ocidente quando
os EUA já não podiam mais”.
Poderio chinês e investimentos no
Brasil
Nem Trump nem Kim Jong-un: para
especialistas ouvidos pelo jornal New York Times, a principal liderança mundial
em 2017 foi Xi Jinping, o poderoso mandatário chinês. Em seu tradicional
discurso anual à cúpula do Partido Comunista, Xi evitou seu costumeiro tom
discreto e afirmou que nas próximas décadas o mundo assistirá a um
“protagonismo inaudito de Pequim”. Entre as estratégias para tanto, o governo
chinês tem investido pesado em projetos de infraestrutura. Um exemplo é a
iniciativa “Um cinturão, uma estrada”, que pretende criar um canal de comércio
marítimo no oceano Índico integrando 68 países. Somente neste projeto, a China
gasta algo em torno de US$ 150 bilhões por ano. Tamanhos investimentos, aliados
a uma política externa cada vez mais incisiva, tem deixado acuados os
diplomatas estadunidenses. Em um documento divulgado pela administração Trump,
os EUA afirmaram que a China está “decidida a tornar as economias menos livres
e menos justas, aumentar seu Exército, controlar a informação e reprimir suas
sociedades para expandir sua influência”, acrescenta. Seja como for, a luta por
poder entre EUA e China tem trazido dividendos para o Brasil. País estratégico
para os orientais em sua penetração na América Latina, os chineses já
investiram mais de US$ 117 bilhões no Brasil recentemente, de acordo com o
jornal Valor Econômico. Os principais setores visados pelos chineses são o de
energia, mineração e agronegócio. E, novamente aproveitando-se do “vácuo” no
setor de construção civil, desarticulado pela operação Lava Jato, a China já se
prepara para gerir, entre outros, a construção da linha 6 do metrô de São Paulo
– obra que era levada a cabo pela Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC.
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