Há mais de
uma década os evangélicos são considerados eleitores-chave. Mas, desde junho,
quando foram divulgados os dados referentes a religião do Censo 2010, a
importância do grupo foi endossada em números. O crescimento dos evangélicos no
Brasil pressiona candidatos e partidos a criar estratégias para atrair fieis e,
ao mesmo tempo, evitar desgastes com a exposição de uma agenda moral que entre
em conflito com outras crenças e segmentos da sociedade. Nos últimos 10 anos,
pela primeira vez o catolicismo perdeu seguidores: ao todo 1,7 milhão de
brasileiros deixou de se declarar católico desde 2000. No mesmo período, o
protestantismo arrebanhou 16 milhões de pessoas. Os evangélicos ganham atenção.
Os pastores, concentram poder. “Tenho sido bombardeado de Norte a Sul, de Leste
a Oeste pelos candidatos. Com o crescimento da Igreja Evangélica, e como estou
na mídia e tenho influência, é gente atrás o tempo todo”, afirma o pastor Silas
Malafaia, uma das lideranças da Assembleia de Deus e vice-presidente do Conselho
Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb), que reúne 8.500
pastores de diversas denominações evangélicas.
Com o quadro
estruturado para a corrida à prefeitura, quatro referências das principais
igrejas pentecostais definiram seus candidatos. Em São Paulo, a Convenção Geral
das Assembleias de Deus (CGADB), igreja evangélica com maior quantidade de
fieis no Brasil, apoiará José Serra, do PSDB, repetindo o comportamento de
2010. “No estado de São Paulo, somos cerca de 8 mil pastores. Trabalharemos a
conscientização do eleitor, mostrando o que é melhor, onde há maiores
identificações. Tudo com muita cautela”, afirma o presidente político do CGADB,
pastor Lelis Washington Marinho. No Rio, não houve uma organização semelhante
da Assembleia de Deus, mas Malafaia, um dos principais nomes, declarou apoio a
Eduardo Paes (PMDB). Ele deve, inclusive, aparecer na propaganda eleitoral.
O prefeito
da cidade do Rio conseguiu arregimentar lideranças evangélicas importantes. A
Universal caminhará com ele no pleito através do apoio do ministro da Pesca,
Marcelo Crivella, do PRB. O deputado estadual Marcos Soares, filho de RR
Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, também se engajará pela
reeleição de Paes.
Em São
Paulo, o voto evangélico está distribuído. A influência da Universal sobre o
PRB reunirá seus fieis na candidatura de Celso Russomanno. Valdemiro Santiago,
da Igreja Mundial, anunciou seus préstimos a Fernando Haddad, do PT. O pastor
RR Soares não tem por hábito declarar seu apoio nas eleições e, por isso, a
Igreja Internacional da Graça de Deus não se posicionou oficialmente. Mas
Daniel Soares, outro filho de RR, será candidato a vereador na cidade de
Guarulhos, município vizinho a capital, pelo DEM, partido da base aliada de
Serra.
Rejeição a
Haddad – Conquistar o eleitor evangélico é preciso. E a explicação não é
só quantitativa. A ramificação pentecostal é mais forte, sobretudo, em áreas
onde a renda é mais baixa e a escolaridade, menor. Uma receita atraente para a
construção de um eleitorado orientado pelos pastores. “Uma banana para quem diz
que um religioso não pode falar sobre eleições. Quer dizer que Marx vale mais
do que Jesus?”, defende Malafaia. Em São Paulo, ele tem se reunido com pastores
para reforçar questões morais que devem estar presentes na cabeça do eleitorado
no momento do voto. A preocupação central de Malafaia é em relação ao candidato
do PT, Fernando Haddad, chamado por ele de “o criador do ‘Kit Gay’”.
“Não adianta
tentar dar uma de anjo agora. Nossa questão com o cara de São Paulo (Haddad) é
que ele tentou promover o homossexualismo e ensinar crianças sobre isso. Ele
não terá colher de chá. Um governante é para todos. Enquanto quiserem
beneficiar um grupo social em detrimento do outro, não merecerá o nosso apoio”,
diz Malafaia, que entrará em ação em um eventual segundo turno na capital
paulista. Se a eleição não terminar no dia 7 de outubro, o pastor apoiará o
oponente de Haddad – caso ele esteja na disputa – mesmo que o outro candidato
em questão seja Celso Russomanno (PRB). O PRB é ligado à Igreja Universal do
Reino de Deus, corrente cujo dono é o Bispo Edir Macedo, proprietário da TV
Record. Em junho, Malafaia disse a VEJA que a distância que o separa de Macedo
“vai do Brasil à China”. É uma distância, como se vê, menor da que aquela que o
separa da Haddad.
“As nações
mais democráticas e poderosas do mundo foram influenciadas pelo pensamento
cristão, não tem como dissociar isso. É idiotice. O ser humano é religioso.
Outra coisa é misturar Estado com religião”, diferencia o pastor.
Que o voto evangélico tem força, não há dúvida. Mas até hoje, quando um
candidato tentou se eleger em uma disputa majoritária com a bandeira religiosa,
o resultado não foi o primeiro lugar. “O piso é alto, mas o teto é baixo”,
explica o cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, que estuda o
comportamento do voto religioso desde 1996.
Rio de
Janeiro – No caso do Rio, os mapas analisados por Jacob mostram pesos
diferentes do eleitorado evangélico entre as áreas de cidade. Em 2004, por exemplo,
Marcelo Crivella, evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, então
candidato à prefeitura da cidade, ganhou votos em zonas eleitorais onde havia
maior quantidade de fieis ligados às pentecostais. Em contrapartida, teve
baixíssima votação em áreas de predominância católica. No espaço geográfico,
isso significa que ele conseguiu angariar eleitores na parte pobre da zona
oeste, como Bangu, Santa Cruz e Campo Grande, e na zona da Leopoldina, que
inclui os bairros de Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha – onde estão os
complexos do Alemão e da Maré, favelas com concentração de evangélicos. Na zona
sul, onde ainda há maioria católica, Crivella foi mal.
“Em eleição
majoritária, quando você tem candidatura que não soma, significa que subtrai,
polariza, divide. O segredo da vitória é ganhar de muito em uma área e perder
de pouco em outra”, explica Jacob. No Rio, os evangélicos avançaram sobre o
vácuo deixado pelo fim do ciclo brizolista. Um dos sinais mais claros do
esgotamento desse tipo de política foram as eleições de Sérgio Cabral e de
Eduardo Paes. A partir de então, as correntes evangélicas ganharam uma
relevância que pode ser decisiva na vitória de um candidato – desde que a
campanha não seja baseada apenas na rede de igrejas evangélicas.
São Paulo- Em
São Paulo, o panorama é diferente. Os pentecostais não têm o mesmo peso do Rio.
“A força do PT e do PSDB impede que grupos religiosos tenham presença tão
significativa. São Paulo é o centro do capitalismo brasileiro, há uma elite
empresarial forte, que simpatiza com o PSDB. E existe uma elite sindical também
muito forte, que prefere o PT”, explica Jacob. Os mapas paulistanos mostram que
na capital existe maior coerência no voto, algo inexistente no Rio.
São Paulo é
cercado por municípios industriais. Nas divisas, o sindicalismo é mais forte e,
consequentemente, o PT também. Em 2004, a força de Martha Suplicy, que
disputava a prefeitura, estava concentrada nas extremidades da capital, onde há
população de menor renda e escolaridade, e mais evangélicos. Os católicos estão
na parte central, um ninho tucano por excelência. O mapa da votação de José
Serra, em 2004, endossa sua força justamente nessa área, cujos moradores
apresentam maiores renda e escolaridade. O espaço da cidade de São Paulo mostra
maior polaridade entre os dois partidos, nos quais os grupos religiosos se veem
obrigados a se articular. Desta vez, no entanto, Haddad corre o risco de perder
os eleitores onde o PT costuma mostrar vigor. O peso dos evangélicos, que não é
pequeno – na zona leste chega a haver mais de 30% de seguidores de correntes
evangélicas -, pode contribuir para esvaziar a balança do petista.
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Fonte: Veja
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