O plenário do Senado
aprovou nessa quarta-feira (10), por unanimidade, o projeto que cria um novo
marco legal para o enfrentamento ao crime organizado no país. O texto reformula
a proposta aprovada pela Câmara, em novembro. A versão do relator, senador
Alessandro Vieira (MDB-SE), ao PL 5.582/2025, do Poder Executivo, retorna para
análise dos deputados.
Conhecido como PL
Antifacção, o texto, que passou também nessa quarta pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), aumenta as penas para integrantes de grupos
criminosos: líderes podem receber condenações de até 60 anos, com previsão de
aumento de penas em casos específicos para até 120 anos, segundo o relator. O
projeto também torna mais rígidas as regras de progressão de regime e determina
que chefes de facções e milícias privadas cumpram pena obrigatoriamente em
presídios federais de segurança máxima.
Alessandro explicou
que seu parecer buscou aprimorar o modelo de combate a facções e milícias que
exercem controle armado sobre territórios, intimidam comunidades e limitam a
presença do Estado. O relator afirmou ter sido pressionado pelo lobby de
diversos setores como o de corporações, da academia, dos tribunais e dos
ministérios públicos:
O lobby que não teve
acesso a esta Casa, sob o ponto de vista estruturado, foi o das vítimas, foi o
da população que fica diuturnamente à mercê do domínio de facções e
milícias. É em homenagem a essas, que
não podem aqui acionar lobbies, que a gente faz o trabalho que faz aqui —
disse. O relator removeu do projeto a tipificação do crime de “domínio social
estruturado”, incluída pela Câmara para integrantes de facções, milícias ou
paramilitares que controlam territórios. Vieira considerou que o conceito era
amplo e pouco preciso, abrindo margem para distorções.
Durante a votação em
plenário, senadores da oposição defenderam que o projeto equiparasse as ações
de facções e milícias ao crime de terrorismo. Uma emenda apresentada pelo
senador Eduardo Girão (Novo-CE) com esse objetivo, porém, foi rejeitada pela
maioria dos senadores. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que esses
grupos agem de forma a espalhar pânico e restringir o direito de ir e vir de
toda a comunidade.
Bandidos e
narcotraficantes que usam drones para jogar granadas a esmo, dentro de
comunidades onde a polícia, está subindo. Esse ato é o quê? Bombas lançadas por
drones, granadas. Isso é terrorismo puro, disse o senador, ao defender que
facções e milícias que adotam esse tipo de conduta sejam enquadrados na
legislação antiterrorismo.
O senador Jorge Seif
(PL-SC) apoiou a mudança, dizendo que a intenção formal das organizações não
muda o impacto de suas ações sobre a sociedade. “Mesmo que organizações
criminosas não tenham esse objetivo, o efeito final é o mesmo”, declarou. O
senador Eduardo Girão (Novo-CE) defendeu que o Congresso reconheça explicitamente
a gravidade desses crimes. Terrorismo a gente tem que chamar pelo nome. O que
está acontecendo no Brasil é terrorismo, disse.
Em resposta,
Alessandro Vieira argumentou que a definição técnica de terrorismo não se
aplica aos grupos que atuam no país, destacando que o terrorismo tem motivação
política, ideológica ou religiosa. O relator afirmou que, apesar de produzir
sensação de terror, a atuação dessas organizações visa apenas proteger
atividades ilícitas e não pressionar governos ou populações por objetivos
políticos. O senador lembrou que o enquadramento de um grupo como terrorista
pode justificar ações militares e sanções externas contra o país.
Por mais que a
sensação de terror seja uma consequência natural da ação das organizações
criminosas, isso não as faz organizações terroristas. Não há nenhum benefício
para o Brasil em reconhecer o Comando Vermelho, o PCC ou qualquer outra facção
como terrorista, afirmou. Uma das
principais mudanças de Vieira foi a opção de atualizar a Lei das Organizações
Criminosas, e não criar uma legislação paralela, abordagem que poderia gerar
questionamentos e beneficiar condenados.
O relator também
suprimiu dispositivos aprovados pelos deputados que, de acordo com sua
avaliação técnica, violavam a Constituição, como: a extinção do
auxílio-reclusão, a proibição de voto para presos provisórios, tipos penais
considerados vagos e regras que enfraqueceriam garantias processuais. O parecer
endurece penas para integrantes, financiadores e líderes de facções e milícias.
Homicídios cometidos por membros desses grupos passam a ter pena de 20 a 40
anos.
O projeto define como
facção criminosa qualquer organização que dispute ou controle territórios ou
atue em mais de um estado. Integrar ou financiar esses grupos passa a ser
punido com 15 a 30 anos de prisão. Para quem ocupa posição de comando, a pena
pode ser dobrada e chegar a 60 anos. Além disso, o relator incluiu novas
situações que permitem ampliar as punições, tanto para líderes quanto para
membros de facções, milícias ou outras organizações criminosas, podendo elevar
a condenação máxima para até 120 anos.
O Senado estabeleceu
critérios mais severos para progressão: condenados por crimes hediondos devem
cumprir o mínimo de 70% da pena no regime fechado; integrantes de facções ou
milícias precisam cumprir 75% a 85%, dependendo das circunstâncias; reincidentes
podem ter percentuais ainda maiores.
O texto atualiza
instrumentos de investigação, permitindo: escutas ambientais e monitoramento
por softwares especiais, com autorização judicial; acesso mais rápido a dados
de investigados em hipóteses previstas em lei; pedidos emergenciais de
informações, sem ordem judicial, quando houver risco à vida de alguém;
interceptações telefônicas aceleradas, com autorização de até cinco dias e
renovação possível.
O relator também
restabeleceu a possibilidade de delatores atuarem como infiltrados — proposta
original do governo que havia sido retirada no relatório da Câmara. O projeto
formaliza as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficcos), que
reúnem polícias e órgãos de investigação. Além da Polícia Federal (PF) e das
polícias estaduais, poderão participar o Ministério Público, Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), Receita Federal e o Banco Central.
A proposta também cria
um cadastro nacional de integrantes e empresas ligadas a organizações
criminosas, que deverá ser replicado pelos estados.
O texto prevê o
monitoramento de conversas e visitas a presos ligados a facções, mas mantém a
inviolabilidade entre advogados e clientes, salvo em decisão judicial
específica.
Pessoas condenadas por
crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas não terão direito à visita
íntima.
O relator incluiu a
criação de um tributo (Cide) sobre apostas online (bets), com alíquota de 15%,
sobre transferências de pessoas físicas para as plataformas. Essa contribuição
terá validade até a cobrança plena do Imposto Seletivo criado na reforma
tributária e os recursos serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança
Pública. A arrecadação estimada é de R$ 30 bilhões por ano.
Alessandro também
propõe uma regra temporária de regularização para bets que atuam sem licença,
com previsão de arrecadação adicional de até R$ 7 bilhões. O relator eliminou
as alterações feitas na Câmara sobre a destinação de recursos apreendidos para
fundos de segurança. Em lugar disso, ele determinou que o governo apresente e
regulamente, em até 180 dias após a sanção da lei, todos os fundos federais
ligados à área de segurança.
O texto também fecha
espaço para as bets que operam na clandestinidade, usadas para crimes, lavagem
de dinheiro e concorrência desleal. Alessandro Vieira incluiu uma emenda de
redação alinhada com a Receita e o Ministério da Fazenda que prevê medidas como
a responsabilidade solidária de empresas de pagamento e instituições
financeiras. Uma bet ilegal só funciona
porque alguém patrocina sua publicidade e porque alguma instituição permite o
pagamento, afirmou.
A versão aprovada pelo
Senado mantém o tribunal do júri para julgar homicídios ligados ao crime
organizado e prevê medidas de segurança para jurados e testemunhas, como sigilo
de dados e interrogatórios por videoconferência. O relator destacou que a
proteção constitucional não pode ser retirada por lei comum.
Quem for condenado por
integrar, apoiar ou liderar facções fica inelegível por oito anos, mesmo antes
do trânsito em julgado. Servidores públicos que colaborarem com essas
organizações ou se omitirem podem perder o cargo imediatamente.
Em razão da incidência
do crime organizado no mercado de combustíveis, o senador incluiu regras mais
rígidas de controle de formulação e venda de combustíveis na versão aprovada na
CCJ, mas, no plenário, acatou emenda da senadora Tereza Cristina (PP-MS) para
rever esse trecho da proposta. Ele também acatou parcialmente emenda do senador
Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) sobre o tema.
A formulação de
combustíveis deve ser melhor debatida em outro momento e já se encontra na
agenda regulatória da ANP, que tem enfrentado esse tema administrativamente,
disse. O projeto exige que os postos de
combustíveis e empresas da área façam o registro de operações de venda,
transporte e armazenamento de petróleo, gás, biocombustíveis e combustíveis
sintéticos.
Crime específico para
recrutar crianças e adolescentes, com penas de 5 a 30 anos. Possibilidade de
bloquear energia, internet e telefonia de investigados. Prazo de 90 dias para
conclusão de inquéritos com investigados presos (270 dias para soltos), com
possibilidade de prorrogação.
Com informações da Agência Senado
Fonte: Agência Brasil