Está difícil manter o otimismo
com a recuperação da economia. Em caminho oposto ao dos índices, que apontavam
para cima nos últimos meses, o Produto Interno Brasileiro (PIB) recuou 0,8% no
terceiro trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Para 2017, as apostas de crescimento chegaram a 1,3% há poucas semanas
– o que já não é lá grande coisa -, segundo o Boletim Focus, do Banco Central,
um termômetro das expectativas de economistas sobre indicadores como inflação,
PIB e juros. Agora, mais comedidos, os analistas já preveem crescimento de 0,8%
no próximo ano. Definitivamente, a economia brasileira ainda inspira cuidados,
avalia Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, corretora que
administra 50 bilhões de reais, de 200.000 clientes. A economista falou ao site
de VEJA.
No terceiro trimestre, o PIB teve
retração 0,8%, com queda em todos os setores, a despeito da melhora dos índices
de confiança. Afinal, já chegamos ao fundo do poço?
Na nossa visão, o Brasil está testando
o fundo do poço. O quadro econômico é extremamente frágil. O mercado de
trabalho, que demora mais para se estabilizar, ainda não se estabilizou. Nós já
esperávamos uma retração do PIB, mas com um número mais modesto. O fato é que
não há ainda motor para o crescimento da economia, para uma volta cíclica. Nós
sempre vimos com muito ceticismo essas projeções de crescimento de PIB acima de
1% para 2017. Falávamos algo entre 0% e 0,5% – e com tudo indo bem.
O Comitê de Política Monetária,
do Banco Central, fez duas reduções de 0,25 ponto porcentual em suas duas
últimas reuniões, medida considerada tímida por muitos analistas, já que ela
dificulta o acesso ao crédito, o que afeta a atividade das empresas. A política
monetária tem sido adequada?
Ela começou muito tímida, a meu
ver. O Banco Central poderia ter começado antes e com mais intensidade. Em
termos reais, a taxa de juros não está caindo ainda, vai demorar. E quando
começar a cair, serão necessários dois trimestres para isso aparecer de forma
mais clara na atividade econômica. Então, se tudo der certo, teremos alguma
inflexão ao longo do segundo semestre de 2017, mais para o fim do ano. Mas o
ponto é que a política monetária tem que ter espaço para isso. No caso, tem.
Segundo esse raciocínio, a inflação,
que passou de 10% em 2015, está controlada?
Está indo bem. Fazendo uma
comparação com a medicina, a febre do paciente ainda está alta, mas o paciente
está bem. Essa febre, logo, logo, passa. Acho que o Banco Central poderia ter
sido mais ousado. A política monetária demora um tempo para se materializar. E
o que tem agora é um quadro de aperto, de aumento de taxa real de juros, e isso
ainda está impactando a economia.
Como esse cenário afeta as
empresas?
Uma coisa é ter uma empresa
passando por um processo de ajuste porque a demanda caiu, outra coisa é quando
se adiciona o problema financeiro. Quando a empresa tem o problema financeiro –
seja por falta de crédito, dívida alta ou inadimplência com fornecedor e fisco
-, é outra categoria. E esse aspecto reforça que o Brasil vive não uma recessão
qualquer, mas uma depressão. É algo mais grave.
De que maneira isso se reflete no
mercado de trabalho?
Nesse quadro tão grave, há o
risco de ter de haver um atraso na retomada. Imagina a empresa que diz: “já
demiti quem tinha que demitir, já ajustei os meus custos, mas não pode
acontecer mais nada de errado.” Mas ela continua vendo o quadro econômico se
deteriorando. Ela não queria mais demitir, mas é forçada a isso. O risco de
haver outras leituras negativas, infelizmente, é muito forte, por causa da
fragilidade da economia, e porque não há motores para fazer essa guinada do
ponto de vista cíclico.
O que pode ser uma saída para
retomar o crescimento?
O que se tem como opção é a
política monetária. O comércio mundial está estagnado, o crescimento mundial
está desacelerando. Então, não vai ser pelo setor externo. Nunca é, mas se
estivesse indo muito bem, já seria uma contribuição importante. Dá para fazer
impulso fiscal [gasto público]? Não dá, não pode, tem que fazer o ajuste. Seria
até contraproducente, porque repetiria a fórmula que não deu certo.
A crise econômica tem estado
intimamente ligada à política. Como o episódio do afastamento, e depois
recondução, de Renan Calheiros da presidência do Senado foi percebido pelos
agentes econômicos?
Costumávamos falar “crise
institucional não existe no país, fizemos impeachment, não tem crise
institucional, está funcionando”. Aí vem todo esse desconforto para uma decisão
do STF, que parece ter sido precipitada, e que depois levou a uma solução,
digamos, criativa. No fim das contas, a impressão é que ficou ruim para todo
mundo. Acho que isso abala a credibilidade das instituições. No mercado
financeiro, houve um certo um alívio porque a permanência de Renan foi vista
como um facilitador para a aprovação da PEC do Teto, uma medida importante para
o controle do gasto público. Mas, do ponto de vista institucional, não foi um
sinal bom, não.
“Solução criativa”,
“credibilidade abalada”, e ainda assim a reação do mercado foi de alívio?
Foi. No fundo, não é pelo Renan
Calheiros, mas para não comprometer a PEC do Teto, para resolver esse assunto
logo e cuidarmos da reforma da Previdência. Tem a questão da dívida dos Estados
também. Se a votação da PEC do Teto emperrar, começa a haver uma insegurança. O
mercado pensa algo como “se for em fevereiro, tudo bem”. Mas aumenta o nível de
incerteza.
Como, em um quadro como esse,
investidores estrangeiros vão voltar ao Brasil?
O estrangeiro que trouxe dinheiro
para cá, especialmente no ano passado, teve que encarar uma perda de capital
enorme, especialmente com a desvalorização cambial. Quando perguntamos àqueles
que ainda não retornaram neste ano, eles dizem “já perdi muito dinheiro. Para
eu convencer o board do fundo a voltar para o Brasil, eu preciso ter mais
certeza”. Por isso que a participação dos estrangeiros na dívida caiu. Para
investimento direto estrangeiro, aquele voltado à produção, observamos que tem
empresas que querem aproveitar preços deprimidos no Brasil para tentar fusões e
aquisições. Mas, para comprar ativos, o movimento ainda não aconteceu.
As políticas restritivas ao
comércio internacional defendidas pelo presidente eleito dos Estados Unidos,
Donald Trump, na sua campanha podem nos afetar?
Por não ser do meio político, o
Trump saiu falando coisas na campanha que ele não vai conseguir cumprir. O
sonho da “América grande” não condiz com fechar fronteiras, rever acordos
comerciais, taxar produtos importados, punir empresas que têm fábrica no
exterior. E se os Estados Unidos tropeçarem, a China é um candidato a ocupar
parte desse espaço, com acordos. Então, não é brincadeira mexer com a questão
externa.
O cenário externo preocupa?
Brexit, Trump, Itália ameaçando
abandonar o euro, cada hora é uma coisa que a gente tem, é um mundo mais
incerto. O contágio para o Brasil é indireto, porque o Brasil é um dos mais
fechados para o comércio.
Fonte: Veja
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