Levantamento realizado por 1 grupo
internacional de pesquisadores mostra que situações de pandemia podem
desencadear 1 aumento nos índices de alcoolismo. Ainda que, no curto prazo, a
diminuição da renda ou as restrições na venda possam contribuir para uma
redução no consumo de álcool, no médio e longo prazo o estresse causado por
eventos como esse pode gerar aumento do uso de bebidas alcoólicas.
No Brasil, exceto pelo fechamento de bares, não
há políticas de restrição de vendas durante a pandemia, o que pode tornar o
quadro ainda mais preocupante.
O estudo foi publicado na revista Alcohol and
Drug Review por pesquisadores do Brasil, Canadá, Estados Unidos e África do
Sul, e de órgãos como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a Opas
(Organização Pan-Americana de Saúde).
O grupo de autores esteve reunido em uma das
maiores conferências mundiais de políticas públicas sobre álcool, em março,
pouco antes de vários aeroportos da Europa fecharem por conta da pandemia.
“Foi quando começamos a discutir a necessidade
de prever a tendência de consumo de álcool durante o surto do novo
coronavírus”, diz Zila Sanchez, professora da EPM-Unifesp (Escola Paulista de
Medicina da Universidade Federal de São Paulo), apoiada pela Fapesp e coautora
do artigo.
“À medida em que o novo coronavírus
espalhou-se, os países foram lançando políticas de combate à doença. Ficou
claro que seria interessante mostrar como estavam agindo de maneira diferente à
venda de álcool durante a pandemia. É sabido que a regulamentação da
comercialização é o que mais influencia o consumo de bebidas alcoólicas pelas populações”,
explica a pesquisadora.
Atualmente, Sanchez coordena 1 projeto apoiado
pela Fapesp, que trata da questão do uso de álcool sob a ótica da prevenção
escolar e se prepara para conduzir outro estudo sobre o consumo de álcool
durante a pandemia com pesquisadores internacionais.
POLÍTICAS RESTRITIVAS
O levantamento aponta diversos exemplos no
mundo de políticas sobre álcool específicas para a pandemia do novo
coronavírus. A África do Sul é tida como 1 dos casos mais restritivos. Como
parte da estratégia nacional de gestão da crise da covid-19, ainda no dia 18 de
março, foi estabelecido no país 1 número máximo de pessoas em bares e limitação
no horário de funcionamento desses estabelecimentos e de lojas que vendem
bebidas alcoólicas para consumo em casa.
Uma semana depois, porém, com a decretação do
lockdown de 21 dias, as medidas se tornaram ainda mais duras. Bebidas
alcoólicas não foram incluídas na lista de itens essenciais que poderiam ser
comercializados em bares e mesmo as seções de bebidas dos supermercados foram
fechadas. As autoridades sul-africanas justificaram que a esperada queda na
ocorrência de acidentes e na violência por conta da redução do consumo de
álcool deixaria disponíveis mais leitos em hospitais, essenciais durante a
crise.
“Esse é 1 exemplo de política bastante
restritiva, também adotada na Groenlândia e no Panamá. Em alguns lugares dos
Estados Unidos, por exemplo, foi proibida a venda de álcool apenas pela
internet. No Brasil, vamos na contramão, com inúmeros descontos em aplicativos
de venda e artistas fazendo lives [apresentações virtuais] patrocinadas por
fabricantes de cerveja”, diz Sanchez.
No dia 13 de maio, o Piauí foi o 1º Estado
brasileiro a instituir lei seca, que a princípio só valeria para o fim de
semana seguinte, de 15 a 17 de maio. A prefeitura de Palmas (TO) decretou lei
seca no município, sem prazo para revogação. Em outros Estados, os bares foram
fechados, mas os que vendem comida e bebida alcoólica por entrega podem
permanecer abertos.
ÁLCOOL E ESTRESSE
Estudos mostram que o consumo de álcool tem
influência negativa no sistema imune, tornando o organismo mais vulnerável a
infecções por bactérias e vírus. Além disso, o álcool colabora para a
ocorrência de depressão, ansiedade e violência doméstica, que podem ser mais
frequentes durante o confinamento imposto pela crise atual.
Uma pesquisa realizada após a epidemia de Sars,
causada por outro coronavírus em 2003, mostrou que, entre 800 moradores de Hong
Kong, 4,7% dos homens e 14,8% das mulheres tinham aumentado o consumo de álcool
1 ano depois.
Entre profissionais da saúde chineses que
ficaram em quarentena ou trabalharam em alas hospitalares com alto risco de
contaminação, as chances de reportarem sintomas de abuso de álcool foi uma vez
e meia maior do que entre os que não foram expostos ao risco de contaminação.
Da mesma forma, desastres naturais, guerras e
atentados terroristas também estão ligados ao aumento do alcoolismo por conta
do estresse causado.
“Vários estudos mostram que, depois de 1 evento
como esse, há 1 aumento de dependentes de álcool na população. As pessoas podem
estar consumindo mais álcool agora para lidar com o estresse da situação, mas
isso claramente pode seguir como uma dependência após a pandemia. Precisamos
considerar a falta de regulamentação na venda de álcool hoje, porque vamos
pagar a conta lá na frente”, diz a pesquisadora.
O artigo Alcohol use in times of
the COVID 19: Implications for monitoring and policy (10.1111/dar.13074) pode
ser lido aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário
obrigado pela sua participação grato
por sua visita!...e fique a vontade para opinar.