Destaque na mídia Portuguesa o
escândalo que envolve o negócio entra a Portugal Telecom e a operadora OI,
impressionante essa longa reportagem da Revista PUBLICO, quanto tráfico de
influência. segue:
As autoridades policiais que
investigam o negócio Oi-PT, celebrado em 2010, suspeitam que os movimentos
financeiros que terão facilitado as autorizações políticas necessárias ao
acordo de telecomunicações luso-brasileiro partiram das construtoras accionistas
da operadora paulista, após terem recebido parte do dinheiro devido pela
operadora portuguesa, no valor de 1200 milhões.
Os últimos meses têm sido de
grande azáfama para a Polícia Federal, que procura desmontar a teia de
corrupção e de lavagem de dinheiro urdida à volta da cúpula política
brasileira. Um escândalo conhecido por “Lava-Jato” (que se centra à volta de Lula da Silva) e
que derivou para outras averiguações que se desenrolam em paralelo, uma delas
com um elo luso-português: o negócio entre a PT e a Oi.
As investigações que hoje
decorrem no Brasil e em Portugal, de modo autónomo, mas com canais abertos, já
deixam levantar a ponta do véu sobre possíveis pagamentos de várias dezenas de
milhões de euros ao universo restrito do ex-Presidente da República Lula da
Silva, bem como a ex-governantes e gestores brasileiros e portugueses.
Movimentos financeiros que as autoridades suspeitam poderem ter saído de
veículos internacionais ligados aos accionistas da Oi, encabeçados pela
construtora Andrade Gutierrez, através de territórios como Angola (onde opera
também via Zagope) e Venezuela.
O presidente da Andrade Gutierrez
é réu no processo Lava-Jato, sendo-lhe atribuídos os crimes de corrupção, de
lavagem de dinheiro e de organização criminosa. Otávio Azevedo é considerado a
cabeça da engrenagem que possibilitou o acordo entre a PT e a Oi em Julho de
2010. Um negócio que necessitou de múltiplas autorizações políticas dos dois
lados do Atlântico e que começou a ser preparado no final de 2007 como resposta
à intenção firme da Telefónica de adquirir os 50% da brasileira Vivo que
estavam nas mãos da PT e que era o motor de crescimento da empresa portuguesa.
À procura de pistas
Este é um dossier que está a ser
seguido pelas polícias brasileiras e portuguesas, que tentam apanhar o fio à
meada. O PÚBLICO sabe que, a partir da documentação e de emails apreendidos, de
escutas telefónicas e de depoimentos recebidos de viva voz, as autoridades têm
procurado reunir provas para determinar estilos de actuação que se repetem,
estratégias que não sejam meras coincidências. No actual cenário de maior
sofisticação da criminalidade financeira, a recolha de prova directa
encontra-se muito dificultada, pois o objectivo
é detectar uma simultaneidade entre movimentos de dinheiro e a
deslocação dos interesses no terreno, que, conjugadas com outros elementos,
permitam dar consistência às suspeitas e
indícios.
Hoje, é do conhecimento geral que
há inquéritos em curso confirmados pelos ministérios públicos de ambos os
países relacionados com a abrangência dos contactos que se estabeleceram entre
os círculos próximos do ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e os
do ex-primeiro-ministro José Sócrates. A
Procuradoria-Geral da República já informou que as autoridades brasileiras
pediram “a cooperação judiciária”, mas não avançou detalhes.
Na lista de acções policiais
consta o raide à sede da PT, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Janeiro de
2015, para recolher dados sobre os negócios com a Oi. E, no início de Setembro,
o semanário Sol revelou que na casa de Luís Oliveira Silva, sócio e irmão de
José Dirceu, o antigo homem forte de Lula da Silva, a Polícia Federal apreendeu
um documento com uma anotação sobre a “Portugal Telecom”.
A malha aperta-se, portanto, à
volta da actuação da empresa nacional nos últimos anos e dos seus principais
gestores e accionistas, alvo de vários processos judiciais. O mês passado ficou
a saber-se que a operação Marquês (que tem no epicentro José Sócrates, Armando
Vara, Carlos Santos Silva) se alargou à oferta pública de aquisição (OPA)
lançada pela Sonae, em 2006, sobre a PT. Recentemente, o Diário de Notícias
informou que o Ministério Público ouviu, a 22 de Setembro, o presidente da
Sonae, Paulo Azevedo, na qualidade de testemunha.
Em causa estão os trâmites que
envolveram o chumbo da OPA na assembleia geral de 2 de Março de 2007 e que
forjou uma aliança entre accionistas da PT, encabeçada pelo BES e pela Ongoing,
e o Estado. Depois de na fase inicial ter dado sinal de que apoiava a OPA,
Sócrates acabaria por recomendar à Caixa Geral de Depósitos, que tinha como
vice-presidente Armando Vara, para se abster na decisão, o que ditou o fim da
oferta. Daí ser previsível que o MP procure encontrar uma ligação do voto do
banco estatal a possíveis movimentos de dinheiro.
O início do negócio
No entanto, foi no seguimento
desta operação que se deu a aproximação à Oi. A Telefónica, grande accionista
da PT, tinha celebrado um pacto secreto com a Sonae: caso a OPA vencesse,
venderia os 50% da Vivo nas mãos da PT. Acossado pela “traição”, o núcleo duro
da PT (BES-Ongoing) começou a procurar um novo acelerador de crescimento no
Brasil.
Data desta época o discurso do
então presidente da PT, Henrique Granadeiro, a defender a criação de um
operador transatlântico de língua portuguesa, como alternativa à Vivo. Sabe que
a Vivo irá, mais tarde ou mais cedo, parar às mãos da Telefónica. O plano
levá-lo-á diversas vezes a São Paulo, onde mantém reuniões com velhos
conhecidos. Um deles foi Otávio Azevedo. Em 1998, a Andrade Gutierrez (28%)
apareceu associada à PT no consórcio para comprar a Telesp Celular (que dará
origem à Vivo), ao lado da Telefónica (19%). Mas antes de a privatização estar
concluída a construtora saltou fora.
Oito anos volvidos os caminhos da
PT e da Gutierrez voltam a cruzar-se. Otávio Azevedo assumirá um papel fulcral
nas conversações que daí em diante se desenrolam. Começava a ser preparado o
embrião da operação PT-Oi que será anunciado quatro anos depois.
Em simultâneo, Granadeiro
movia-se junto das altas esferas do Governo brasileiro para encontrar aliados.
A 8 de Junho de 2007, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, declarou
publicamente ser favorável ao projecto da PT e deu garantias de empenho junto
de Lula da Silva para que este recebesse de “braços abertos” a ideia “defendida
por Henrique Granadeiro”.
Foi neste contexto que o
ex-Presidente da República Mário Soares foi sondado pela PT, para ajudar a
criar pontes com o Presidente Lula. E é Soares que aconselha Granadeiro a
procurar o escritório de advocacia Fernando Lima, João Abrantes Serra e José
Pedro Fernandes, a LSF & Associados. O gabinete é sócio no Brasil de José
Dirceu, o líder petista conhecido como facilitador de negócios, a quem a LSF chegara
anos antes por via de José Pedro Fernandes. Mas será Abrantes Serra a
apresentar Dirceu a Nuno Vasconcelos e a Rafael Mora, da Ongoing (e a Miguel
Relvas). Dirceu, que surgiu nos epicentros dos grandes escândalos que
rebentaram no Brasil (“mensalão”, Lava-Jato e “petrolão”), é classificado pela
Polícia Federal como o “chefe da quadrilha”. Dirceu contesta e diz que é vítima
de perseguição política.
Passado pouco tempo na folha de
avenças mensais da PT começa a constar o nome do escritório de advocacia LSF
& Associados com facturações mensais de 50 mil euros. Quando detecta os
movimentos, Luís Pacheco de Melo, ex-administrador financeiro da PT, questiona
Granadeiro, mas o CEO avisa-o que existe um acordo para cumprir – o que não
impede o ex-CFO da PT de suspender as avenças, mas não evita a entrega à LSF de
200 mil euros. A colaboração da LSF-Dirceu com a PT foi confirmada ao PÚBLICO
pelos protagonistas.
O PÚBLICO pediu aos principais
responsáveis envolvidos neste dossier para comentarem informações ou prestarem
esclarecimentos, mas todos declinaram. Pacheco de Melo alegou não ter
disponibilidade para o fazer por estar a viver fora de Portugal (é o novo
administrador financeiro da Mota Engil na América Latina), enquanto Henrique
Granadeiro optou por sublinhar que estão a decorrer vários processos judiciais
envolvendo a ex-PT (agora Pharol) pelo que tem dever de sigilo.
Um dos visitantes mais assíduos
de Ricardo Salgado (hoje em prisão domiciliária no âmbito do caso Monte Branco,
que investiga o maior caso de crimes de
branqueamento de capitais) será Otávio Azevedo, que tem casa em Lisboa.
Entre o final de 2007 e o começo de 2011, há registo de várias idas à sede do
BES, para manter reuniões com o banqueiro. Por vezes, aparecem Nuno
Vasconcellos e Henrique Granadeiro. Era o início da preparação da parceria
PT-Oi, que será monitorizada pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações, tutelado por Mário Lino (próximo de Sócrates). O seu chefe de
gabinete, Luís Ribeiro Vaz, tem grande proximidade do núcleo duro da PT.
António Cunha Vaz, que trabalhou com a Sonae na OPA, relatou em 2012 ao
PÚBLICO: “Ouvi Ribeiro Vaz contar que uma parte do dia estava no gabinete de
Mário Lino [com quem Azevedo discutia os detalhes da OPA] e a outra com a
Ongoing a montar a estratégia contra a OPA.”
Após o escândalo “mensalão”
(ligado à compra de votos de parlamentares brasileiros entre 2005 e 2006),
começa a procura de novas fontes de rendimento. No final de 2008, chegava a
Lisboa José Dirceu, coincidindo com a visita de Lula da Silva, que está em
viagem oficial.
As grandes operações a necessitar
de autorizações estatais estão, por vezes, reservadas a quem paga comissões. E
à Avenida Fontes Pereira de Melo, sede da PT, vai chegar a informação de que o
negócio com a Oi está condicionado à entrega ao grupo petista de 50 milhões de
euros, verba que deve ser movimentada por uma conta em Macau. Sem pagamento,
não haverá parceria.
Na PT torce-se o nariz e o ex-CFO
Pacheco de Melo declara que as avaliações técnicas à Oi não o convenceram. E
não há acordo quanto aos termos da transacção. A primeira tentativa de junção
da PT-Oi não será bem sucedida, o que não impediu que as portas continuassem
abertas a um entendimento.
Enquanto tudo isto se passa, a
Telefónica prosseguia o seu objectivo de adquirir os 50% que lhe faltam da
Vivo. E procura apoio junto de Abrantes Serra e da consultora Oliveira e Silva
& Associados. Esta empresa, ligada a Dirceu e ao irmão Luís Oliveira Silva,
foi identificada pela Polícia Federal como suspeita de intermediar pagamentos
ilícitos a terceiros, com cobrança de comissões em grandes transações.
No primeiro semestre de 2010, a
banca portuguesa, que apostara no financiamento em larga escala, contando com o
fácil acesso aos mercados, com baixas taxas de juro, dá por terminado o ciclo
favorável. E, sabe-se agora, que no BES havia contas para pagar.
Por volta de Abril são reabertos
os contactos com a Oi. E Salgado, Vasconcellos, Granadeiro e Otávio Azevedo
voltam a juntar-se em Lisboa para ultrapassar o impasse. Em comum têm problemas
para resolver: o BES enfrenta restrições financeiras, a Ongoing tem dívidas de
quase 800 milhões, a PT quer encontrar um substituto para a Vivo, a Oi está
alavancada no banco estatal BNDES.
Mas no Brasil falta dar um
empurrão ao acordo PT-Oi. Para impor um deadline, a Telefónica antecipa-se e
oferece à PT, a pronto pagamento, 7,15 mil milhões de euros por 50% da Vivo.
Quando, finalmente, a Telefónica
dá o passo em frente, a administração da PT anuncia que levará a proposta à
assembleia geral (AG) de 30 de Junho de 2010 com recomendação positiva. O
Estado tem uma golden share (acções com direitos especiais) e José Sócrates
veta a operação com o argumento de que só a autorizará depois de a operadora
lhe apresentar uma alternativa no Brasil.
O foco da AG sofre uma
reviravolta que surpreendeu a maioria dos presentes. Sobre este incidente há opiniões:
os grandes accionistas e gestores da PT foram apanhados desprevenidos; o veto
de Sócrates foi concertado com o núcleo duro da PT para criar dificuldades e
obrigar a acelerar o fecho do negócio.
Conversas entre Lula e Sócrates
Nos dias seguintes multiplicam-se
as conversas entre Lula e Sócrates e os entendimentos entre a PT e a Oi.
Movimentações que se tornam claras quando, a 8 de Julho, José Dirceu surgiu em
Lisboa a dar uma entrevista ao Diário de Notícias: “Sempre defendi a fusão da
Oi com a Brasil Telecom ou com uma empresa como a PT.” Na altura, fonte não
oficial da PT inquirida sobre o que veio fazer Dirceu a Portugal, foi taxativa:
“Nunca trabalhámos com os escritórios de Dirceu no Brasil, mas não podemos
garantir que os accionistas não o tenham feito.”
Dias depois o jornal Folha de São
Paulo avançava que Brasília “articula uma operação para que a Oi e a PT virem
sócias”. E refere: Lula da Silva e José Sócrates já trataram do assunto. Ora,
Otávio Azevedo é um homem de muitas
conexões políticas. O BNDES, o banco estatal brasileiro presidido por Luciano
Coutinho, detém 5% da Oi, e está agora a ser alvo de averiguações por contratos
de financiamentos suspeitos, nomeadamente com Angola. Outro investidor da Oi é
o Pactual, liderado por André Esteves, que é o banco de investimento da Andrade
Gutierrez. Quer Luciano Coutinho, quer André Esteves são figuras do círculo de
Lula da Silva.
A 27 de Julho de 2010 é anunciado
fumo branco. A Telefónica vai pagar pelo controlo da Vivo 7,5 mil milhões (sobe
o preço para o Estado salvar a face, mas o valor será liquidado em três
tranches) e a PT aceita adquirir 23% da Oi por 3,75 mil milhões, dos quais dois
terços se destinarão a aumentar o capital da operadora paulista. A restante
parcela, 1,2 mil milhões, será partilhada pelos acionistas.
Os acordos finais vão continuar a
exigir reuniões no BES e na PT. E sempre à porta fechada. O pacto definitivo
será celebrado a 26 de Janeiro de 2011,
enquanto os pagamentos da PT à Oi só ficarão concluídos nos meses seguintes.
As autoridades suspeitam agora de
eventuais verbas ilícitas entregues ao grupo de Lula da Silva e a políticos e
gestores portugueses. E os indícios apontam para uma origem na parcela de 1,2
mil milhões, com o Ministério Público a querer saber quem deixou a sua
assinatura.
O negócio PT-Oi parecia ser a
combinação perfeita, mas produziu escândalo e transfigurou-se, seja pela
diminuição do peso dos accionistas nacionais na Oi (por via do impacto do BES),
seja pela venda da PT Portugal aos franceses da Altice. A ligação promíscua ao
seu accionista emblemático, o BES, revelou-se fatal para a PT. E, quando o GES
ruiu, foi obrigada a contabilizar uma perda de quase mil milhões de euros que
se traduziu no fim do grande projecto luso-brasileiro. E levou às demissões de
Granadeiro e Zeinal Bava.
A 19 de Junho, o juiz Sérgio Moro
deu ordem de prisão a Otávio Azevedo, por crimes de corrupção, lavagem de
dinheiro e organização criminosa para fraudes em licitações milionárias da
Petrobras entre 2004 e 2014, com depósitos no exterior.
A defesa do ex-administrador da
PT (Azevedo foi nomeado administrador em 2011), em representação da Oi,
contestou e alegou que o gestor era presidente da holding Andrade Gutierrez,
com funções de representação institucional e que “nunca teve conhecimento da
dinâmica comercial e operacional” da construtora. O juiz respondeu que tem
provas significativas dos crimes e manteve-o preso.
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