A lista das 100 músicas mais
tocadas nas rádios brasileiras atualmente mostra que o cardápio dificilmente
poderia ser mais restrito.
Só para começar: são 76% de
sertanejo (contra 13% de outros gêneros nacionais e 11% de músicas de outros
países). Todas as letras falam de um mesmo tema: relacionamento entre homem e
mulher. E as mulheres não têm muita vez: apenas em seis casos a voz principal,
que conta a história, é feminina.
Dentro do tema do relacionamento,
o ângulo também não varia muito. São basicamente três hipóteses: o sujeito está
completamente apaixonado por uma mulher ideal (a típica música romântica); ou
foi abandonado por ela e lamenta a perda (a típica música de dor de corno); ou
está solteiro e na balada, dizendo a plenos pulmões que pega todas e bebe até
cair.
A reportagem baseou a lista das
mais tocadas num software que acompanha a programação de 95% das rádios
brasileiras e que faz a lista das mais tocadas mensalmente, o Spybat.
Comparando com as rádios populares de maior audiência de Curitiba, o resultado
é bastante semelhante. Em Curitiba, aliás, o software afirma monitorar 23 FMs,
2 AMs e três rádios web.
Hedonismo.
A mais tocada do mês de setembro
(última atualização disponível do sistema) dá uma amostra da mistura de “farra,
bebida e mulher” que marca a programação. “Pensa num trem doido que é
gostoso/Hoje não tem choro nem migué/Se essa sapequinha cair na minha lagoa hoje
eu sou jacaré”, começa a letra de “Sapequinha”, de Eduardo Costa. A segunda
mais tocada segue na mesa linha. “Tô namorando todo mundo/99% anjo,
perfeito/Mas aquele 1% é vagabundo”, cantam Marcos e Belutti em “Aquele 1%”.
A seguir vêm várias letras românticas,
todas com mais uma característica em comum: cantadas na primeira pessoa. Nunca
se fala da história de terceiros, por exemplo. É sempre o cantor o personagem
principal de um drama que não muda muito. “Prepare a nossa cama põe vinho no
gelo/Que eu quero brindar pra esquecer/Esses dez minutos longe de você”, dizem
Victor e Léo na quarta mais tocada. “Com a velha calça jeans/Na TPM unha por
fazer/Mesmo de mal de mim/Eu vou estar com você” diz Lucas Lucco em “Quando
Deus Quer”, a número seis da lista.
Apesar do domínio sertanejo, em
geral os “clássicos”, como Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano
estão bem para trás na lista. A geração de Fernando e Sorocaba e Michel Teló é
que domina. Talvez por ter se adaptado melhor ao esquema desejado pelas rádios,
que mistura o gênero “violeiro” com um gosto pela balada urbana. “É dia 10 e o
que é que aconteceu?/Papai recebeu, papai recebeu/Eu tô patrão, hoje eu tô
pagando tudo/Avisa que o after vai ser no apartamento superluxo”, cantam
Fernando e Sorocaba em “Dia Dez”.
O sertanejo “clássico” aparece
quando o personagem quer dizer que está triste. Aparece, nesses casos, sob o
codinome “modão”. “Tô na solidão, ouvindo modão/Eu só sei sofrer, pensando em
você”, dizem Guilherme e Santiago em “Meia-Noite e Meia”. “Rapaz, você aí na
rádio, tá de brincadeira/Tá tocando só modão chonado a noite inteira”, dizem
Fernando e Sorocaba em “O Cara da Rádio”.
A primeira música nacional sem
ser sertaneja é também a primeira cantada unicamente por uma mulher. “Deixa Ele
Sofrer”, de Anitta, mostra também uma diferença das músicas cantadas por homens
e mulheres. Enquanto eles prometem se acabar, elas, mesmo funkeiras, às vezes
preferem prometer um certo resguardo. “Pode implorar meu prazer/Que eu não vou
me arrepender/Eu não sou tão fácil assim/Já acabou pra mim”, diz a letra.
Objetificação da mulher.
Em algumas letras é muito clara a
intensão dos músicos em, a partir de um estereótipo, fazer da mulher mero
objeto de uso e descarte. É quase como se elas fossem uma lata de cerveja:
enquanto se tem o líquido ali é a melhor coisa do mundo, mas depois de
consumida torna-se inutilizável.
A letra cômica a partir da
objetificação é também uma forte característica. Exemplo é a música “Made in
Roça”, de Loubet, que sentencia: “Você é muito areia pra aquela carroça./Tá
viciada na pegada made inRoça.”
Na lista há espaço até para
canções que conotam violência contra a mulher ( e a tratam com uma banalidade
suficiente e indigesta). É o caso de “O Defensor”, da dupla Zezé di Camargo
& Luciano, que diz “Eu vim pra te buscar, eu vou te amar/E onde ele bateu,
eu vou te beijar.”
Fonte: Gazeta do Povo
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